Arquivo do mês: agosto 2023

Vaélico, Semana 2: Primeiro Contato

Meu primeiro contato com Vaélico se deu através de uma palestra de Karla Arakantobuna, Vate da Ordem Druídica Ramo de Carvalho, da Clareira Derweriom e autora do blog O Bosque da Suindara (que traz uma excelente introdução sobre o deus-lobo em http://ocantodasuindara.blogspot.com/2017/07/deus-vaelico-magia-na-iniciacao.html), na Convenção de Magos e Bruxas de Paranapiacaba de 2017. Eu já havia desenvolvido um interesse pelas deidades da antiga Ibéria, mas ainda não conhecia Vaélico. Seu nome me era familiar, graças à comum associação feita sobre Ele e o lusitano Endovélico (se quiserem saber mais sobre ele, recomendo o blog O Bosque do Javali, particularmente as 30 Semanas Para Endovélico, escritas pelo seu devoto, Endovelicon: http://obosquedojavali.blogspot.com/2014/07/30-semanas-para-endovelico.html). 

Quando me foi apresentada uma deidade associada à figura do lobo (tão relevante às tradições ibéricas), eu estava entrando em terreno desconhecido, quase como uma escura caverna onde antigos guerreiros de confrarias da antiga Ibéria adentrariam para passar por suas iniciações. Qual não foi a minha surpresa, terminada a parte teórica da palestra, de sentir uma certa familiaridade com a essência de Vaélico durante a vivência que veio a seguir. Não saberia dizer nunca se foi algo ancestral ou apenas uma afinidade quanto às sensações que me surgiram durante ela. De fato pude perceber algo antigo, potente, visceral, transformador, que parecia estar dormente há muito tempo. Senti que o entendi. Senti que Ele não deveria retornar ao esquecimento novamente. E não retornou. 

Desde então Vaélico tem permanecido próximo às minhas práticas. Arakantobuna, a mesma Vate que primeiro me trouxe o conhecimento sobre o deus-lobo, tem feito um rico trabalho ao trazer algo de devoção aos deuses ibéricos para os nossos ritos, criando um elo de ligação com uma ancestralidade muitas vezes esquecida pelos pagãos brasileiros. A presença de Vaélico se tornou cada vez mais forte e intensa nas nossas atividades e muitos dos presentes têm relatado experiências transformadoras nos nossos rituais. Claro que foi necessário buscar por mais informações sobre Vaélico. Infelizmente, como ocorre com muitas deidades ibéricas, as informações são escassas, apenas permitindo fazer algumas deduções e elocubrações, mas com poucas certezas e conclusões. 

Isso é sempre frustrante quando falamos de uma deidade à qual buscamos prestar culto. Mas onde as informações acadêmicas são escassas, é sempre possível permitir que o conhecimento que temos, mesmo que parco, guie nossa inspiração e unir a nossa experiência espiritual pessoal ao conjunto (desde que sabendo diferenciar uma da outra, obviamente). E é o que temos feito, não apenas dentro da Ordem Druídica Ramo de Carvalho, mas em várias partes do mundo. 

Obviamente, não sabemos se um dia teremos confirmação para todas as nossas inspirações, mas Vaélico definitivamente não é mais uma deidade esquecida. Seu culto hoje renasce, não apenas na sua Ibéria ancestral, mas também no além-mar. A experiência com Ele tem trazido força e inspiração, manifestações poderosas, magia, ensinamentos e transformações. Ao que parece, Vaélico veio para ficar, para nunca mais ser esquecido. E esperamos que ele seja para sempre honrado.

Slanya tei, a Vaelice!

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Vaélico, Semana 1: Introdução

Dada a multiplicidade de culturas célticas existentes (sim, para a surpresa daqueles que imaginavam que os celtas desfrutavam de uma perfeita homogeneidade dentro das diversas regiões e épocas nos quais viveram), é natural que tenhamos mais informações sobre algumas do que sobre outras. E isso vale também para seus mitos e suas divindades. Então se por um lado temos mitos com uma enorme riqueza detalhes registrados na Irlanda (principalmente pelo trabalho dos monges copistas que levaram o cristianismo à ilha), por outro temos deidades continentais sobre as quais temos pouco, ou quase nada, registrado em termos de mitologia. Tal é o caso da grande maioria dos deuses cultuados pelos povos que habitaram a região da Península Ibérica (que corresponde aos atuais Portugal e Espanha).

Nestes casos onde o relato mítico é praticamente ausente, é preciso ir além daquilo que é mais facilmente reconhecível pelos estudiosos de antigas espiritualidades pagãs. É preciso recorrer à arqueologia para descobrir seus locais de culto, quais eram os tipos de sacrifícios e ex-votos ofertados a tais deidades, a quais divindades de panteões mais conhecidos elas eram comparadas (algo muito comum nas terras célticas continentais conquistadas pelos romanos, graças à sua prática da Interpretatio), quais eram seus nomes, títulos e epítetos. Precisamos recorrer à linguística para entender os significados de seus teónimos. E muitas vezes precisamos fazer associações incertas com deuses mais conhecidas de outras paragens, baseando-nos em nomes, origens ou aspectos em comum, bem como elementos possivelmente relacionados dentro de seu contexto cultural. E para nós, praticantes de espiritualidades pagãs contemporâneas, também é de valia interpretar nossas próprias experiências com o culto de tais deidades (mas sem confundir inspirações atuais com a informação acadêmica).

Este é o caso de Vaélico, uma deidade cultuada pelos Vetões, um povo que viveu nas terras do oeste da Meseta, que correspondem a Castilha e Leão, Extremadura e o leste de Portugal. A origem dos Vetões ainda é discutida, mas o pouco que sabemos sobre seu idioma indica que foram um povo hispano-céltico (mas não Celtibérico, há uma importante diferença). A arqueologia os reconhece como pertencendo à Cultura dos Verracos, conhecida pelas grandes esculturas representando porcos, javalis e touros que ainda se espalham pelos seus antigos territórios. Além disso, eram aliados tradicionais dos Lusitanos, lutando junto a eles tanto contra os cartagineses quanto contra os romanos.

Vaélico, portanto, é um dos deuses que foram cultuados por esse povo que é, de certa forma, tão próximo da ancestralidade dos brasileiros, mas tão pouco familiar a tantos de nós. Como citado anteriormente, não temos mitos registrados sobre Ele, o que nos obriga a recorrer a outras fontes entender melhor a sua natureza. Seu nome é interpretado como derivado do céltico *uaillo-, “lobo”, fazendo de Vaélico o “deus-lobo”. Outra tradução possível para seu nome é “ululante”, que o relacionaria especificamente ao uivo (e manteria as suas associações lupinas). Nós o conhecemos principalmente por inscrições, aras e ex-votos dedicados à sua honra durante o período romano e encontrados principalmente na região de Ávila. Entre as associações que são perceptíveis através de tais resquícios materiais, é possível entender que Vaélico tinha afinidades com a mineração, o Outro Mundo e, talvez, à cura de cães raivosos. Mas não permitamos que este olhar preliminar nos engane. Haverá muito a dizer sobre isso mais à frente. 

O culto a Vaélico hoje é pequeno se comparado a outras divindades célticas, ou mesmo ibéricas. Contudo ele tem devotos entre os pagãos da Espanha, Portugal e também na América Latina, que finalmente estão usando os fragmentos de informação que dispomos como fontes de inspiração para sua devoção e vivência com o deus-lobo dos Vetões. Como o uivo de um lobo em uma noite escura, o culto de Vaélico novamente surge, talvez de forma inesperada, mas certamente crescente, ululando para aqueles que se voltam a Ele.

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